
Homens antigos desafiaram o gelo da Inglaterra há 440 mil anos
Descoberta de ferramentas de pedra intriga arqueólogos sobre como eles sobreviveram ao frio extremo
Cerca de 480 mil anos atrás, a Terra atravessava uma das fases mais frias de sua história. Grande parte do que hoje conhecemos como Ilhas Britânicas estava coberta por espessas camadas de gelo. Até recentemente, acreditava-se que as regiões livres do gelo eram igualmente inóspitas e, portanto, inabitadas. No entanto, a descoberta de ferramentas de pedra às margens de um rio próximo a Londres, publicada na revista Science, sugere que antigos hominídeos conseguiram ocupar, ainda que de forma intermitente, esse ambiente gélido.
Pesquisadores encontraram no sítio arqueológico de Old Park, a cerca de 80 km a leste de Londres, evidências de presença humana datadas de aproximadamente 440 mil anos atrás, durante um período de frio extremo conhecido como estágio glacial Angliano. Na época, geleiras cobriam vastas áreas a apenas 65 km ao norte do local.
A primeira leva de achados, nos anos 1920, revelou mais de 300 machados de mão, mas somente agora, com técnicas modernas como a radiofluorescência infravermelha, foi possível datar com precisão os sedimentos. Os resultados confirmam que humanos estiveram no local já há 773 mil anos, mas retornaram durante a glaciação Angliana — quando a sobrevivência parecia quase impossível.
Especialistas levantam hipóteses sobre como esses grupos, possivelmente do Homo heidelbergensis — ancestral comum de neandertais, denisovanos e humanos modernos —, conseguiram resistir. Talvez tenham feito fogueiras a partir de ossos ou esterco animal, embora não haja provas de que dominassem plenamente o fogo nesse período.
“Um cenário de sobrevivência em uma paisagem aberta e gelada levanta questões fundamentais”, diz o arqueólogo Rob Hosfield, da Universidade de Reading. “Quais abrigos naturais eles encontrariam? Que fontes de combustível estariam disponíveis?”
Ainda que os detalhes permaneçam misteriosos, a descoberta revoluciona a visão arqueológica sobre os limites da resistência humana. Como afirma Tomos Proffitt, arqueólogo da Universidade do Algarve e um dos autores da pesquisa: “Encontrar evidências de presença humana nas Ilhas Britânicas nesse período é genuinamente surpreendente.”